Capítulo II - Maria da Hungria, Regente de Gand

Este capítulo passa-se entre 1536 e 1545 e começa por relatar-nos a partida dos Mendes de Lisboa para Antuérpia, passando primeiramente por Londres. A nau na qual viajaram tinha o nome de São Tobias, em honra do protector dos marranos. Tobias foi um herói do Antigo Testamento ao qual tinha sido dado o nome cristão de santo, mas este sob esse disfarce protegia os marranos como fora protegido por Jeová.

Tobias e anjo Rafael, de Filippino Lippi

Beatriz referiu que o seu falecido marido lhe havia dito que Istambul era o melhor sitio para onde podiam ir, pois o sultão Solimão não era contra os judeus. Ficou então Josef indignado pois se estariam em segurança em Istambul porquê ir para Antuérpia, e é neste ponto que começamos a perceber o quão Beatriz se preocupa com os outros judeus, pois diz que enquanto todos os seus “irmãos” não estivessem em segurança, enquanto ela não cumprisse a sua obrigação não conseguiria partir para lá.

Chegaram a Londres, ficaram hospedados na casa de Chistopher Fernandez, o feitor de Francisco Mendes em Inglaterra. Este deu-lhes todas as novidades sobre o que se andava a passar na Europa, entre elas a batalha que o rei Francisco I de França travara contra o Habsburgo. Beatriz estava preocupada, pois se Habsburgo se tornasse demasiado perigoso, não poderiam salvar o seu povo e seriam expulsos de Antuérpia.

Partiram para Antuérpia, onde os esperava Diogo Mendes. Este pede a mão de Brianda a Beatriz, ao que esta consentiu com a condição de esperarem um ano. Em Antuérpia numerosos praticavam um judaísmo livre e sincero e fora instalada uma sinagoga onde se reuniam à sexta-feira para festejar o Sabat.

Mesa tradicional do Sabat

Joseph tinha ganho o gosto por uma vida boémia, envolvendo-se com várias mulheres, sempre com o apoio de Diogo que decidiu que este deveria mudar o seu nome cristão de João para Juan, Juan Micas.

Mais tarde, deu-se então o casamento de Diogo e Brianda.

Foram conhecer a regente de Gand, Maria da Hungria, irmã de Habsburgo. Esta a mando do irmão estendia uma protecção vigilante aos banqueiros marranos, principalmente aos Mendes a quem ela prestava particular atenção. Joseph passou então a fazer parte dos cortesãos da regente, enviado pelos Mendes, pois a sorte da família dependia daquela mulher.

Nasceu a filha de Diogo e Brianda Mendes, a quem foi dado o nome Judeu de Dinah, e cristão de Beatriz como a tia. Chegaram então a Flandres uma multidão de marranos, portugueses, o que indicava que a Inquisição estava a acelerar o ritmo.

Joseph partiu para Istambul, com a desculpa de que ia ingressar no exército, caso contrario a regente não lhe daria permissão para sair de Antuérpia, pois ninguém estava autorizado a sair. Em Istambul, este prepara a chegada dos Mendes, ao que travou conhecimento com Mosche Hamon, que era médico do sultão. Este levou-o até ao próprio sultão Salomão. Joseph pediu-lhe ajuda, contou a história dos marranos, do avanço da inquisição, dos primeiros autos-de-fé em Portugal, mas como os judeus de Istambul não tinham sido convertidos, não viam com bons olhos os marranos, achavam-nos traidores à religião judaica. Mas Moche Hamon prometeu ajudá-lo.

Brianda começou a frequentar a corte da regente. Esta como sabia que Brianda era uma “presa fácil” serviu-se dela para se vingar, usando vários homens. Diogo Mendes morreu de desgosto ao saber das traições da mulher, para satisfação da regente. No testamento, Diogo deixou a maioria dos seus bens para Beatriz e nada para Brianda. A regente de Gand sequestrou os bens dos Mendes e só os devolveu na condição de lhe serem entregues quatro mil ducados de ouro e ainda um empréstimo de dois mil florins.

A regente, por intermédio de seu primo D. Francisco de Aragão, mandou vir Reyna, filha de Beatriz e Francisco Mendes, a sua casa. Reyna foi acompanhada de Joseph, pois Beatriz estava desconfiada de que a regente estava a tramar algo. Maria da Hungria queria casar o seu primo D. Francisco com Reyna a fim de concluir uma sólida aliança, exemplar aos olhos de todos os cristãos-novos, e convencê-los a permanecerem no país. D. Francisco pediu a Beatriz a mão de Reyna mas esta recusou. Perante esta decisão foi chamada à casa da regente, que vendo que Beatriz continuava a negar ameaçou-os de serem todos queimados em praça pública.

Beatriz exigiu então que Joseph fugisse com Reyna para Veneza, ela ficaria e iria lamentar-se publicamente pela filha que tinha sido raptada pelo primo. E quando ele lhe falou na honra da filha, Beatriz disse-lhe que queria que ele casasse com Reyna. Antes do amanhecer, partiram para Veneza.